22 de jan. de 2010


(Maria do Rosário Pedreira)

"Esta manhã encontrei o teu nome nos meus sonhos
e o teu perfume a transpirar na minha pele. E o corpo
doeu-me onde antes os teus dedos foram aves
de verão e a tua boca deixou um rasto de canções.

No abrigo da noite, soubeste ser o vento na minha
camisola; e eu despi-a para ti, a dar-te um coração
que era o resto da vida – como um peixe respira
na rede mais exausta. Nem mesmo à despedida

foram os gestos contundentes: tudo o que vem de ti
é um poema. Contudo, ao acordar, a solidão sulcara
um vale nos cobertores e o meu corpo era de novo
um trilho abandonado na paisagem. Sentei-me na cama

e repeti devagar o teu nome, o nome dos meus sonhos;
mas as sílabas caíam no fim das palavras, a dor esgota
as forças, são frios os batentes nas portas da manhã."

*O Canto do Vento nos Ciprestes*

Tenho medo.

Meu amor não tem tamanho e se perde de mim.

Queima com a intensidade do sol de verão

e flui ao compasso do tempo, mesmo que o tempo

caiba nos caprichos infindáveis do vento.

Tempo- suspiro e desejo,

vento- frio e solidão.

Soltei as amarras e deixei-te ir. Ou, talvez,

desprendi-me

do poema feito de silêncio em que te tornaste.

Preciso ser inteira para te amar.

Pati K

21 de jan. de 2010


(Maria do Rosário Pedreira)

“O meu mundo tem estado à tua espera; mas
não há flores nas jarras, nem velas sobre a mesa,
nem retratos escondidos no fundo das gavetas. Sei

que um poema se escreveria entre nós dois; mas
não comprei o vinho, não mudei os lençóis,
não perfumei o decote do vestido.

Se ouço falar de ti, comove-me o teu nome
(mas nem pensar em suspirá-lo ao teu ouvido);
se me dizem que vens, o corpo é uma fogueira -
estalam-me brasas no peito, desvairadas, e respiro
com a violência de um incêndio; mas parto
antes de saber como seria. Não me perguntes

porque se mata o sol na lâmina dos dias
e o meu mundo continua à tua espera:
houve sempre coisas de esguelha nas paisagens
e amores imperfeitos - Deus tem as mãos grandes.

*O Canto do Vento nos Ciprestes*

20 de jan. de 2010


“Palavras erradas costumam machucar para o resto da vida,
já o silêncio certo pode ser a resposta de muitas perguntas.”
(Padre Fábio de Mello)


*

Adotei como verdade.
...
Será que consigo? Calar não é o meu forte.

19 de jan. de 2010

(José Gomes Ferreira)

(Prelúdio em forma de grito, para um livro de confissões pessoais que nunca escreverei)

Ouve, tu que não existes em nenhum céu:

Estou farto de escavar nos olhos
abismos de ternura
onde cabem todos
- menos eu.

Estou farto de palavras de perdão
que me ferem a boca
dum frio de lágrimas quentes de punhal.

Estou farto desta dor inútil
de chorar por mim nos outros.

- Eu que nem sequer tenho a coragem de escrever
os versos que me fazem doer.

(...)

Ah! Se eu imitasse a alegria das arvores e do vento
Que riem sem motivo.

Mas não. Ando triste.
Já não me contento em sentir-me vivo…
(E que outro destino existe?)”

*Poeta Militante*

13 de jan. de 2010

Canção com parêntesis




(Lya Luft)

“Meu coração que voava
ficou surpreso.
A boca se fechou, a música
descaiu num tom menor.
Meu corpo que retornava
ao que nunca tinha sido
(senão com nostalgia)
retoma o que sempre fingiu ser.

Ficamos à espera, minha vida e eu
(sem amargura, mas desconcertadas)
de que apagues os parênteses
e voltes, e te permitas
as ternuras, o encanto, as surpresas
que iluminavam (como os meus)
teus próprios dias.”




(Albano Martins)

“Há em teus olhos, dados ao momento,
uma tristeza de água reprimida,
que é como o pressentimento
duma próxima despedida.

Tristeza que faz lembrar
dias perdidos de outono
com luz pálida a incidir
nas folhas, mortas de sono.

Deixa que a esperança os molhe,
os inunde de alegria.
Cada noite passa e colhe
o gosto dum novo dia.”

*Secura Verde e outros Poemas*


12 de jan. de 2010


(Albano Martins)

Um dia virei
colado a um verso, embrulhado
numa folha, dobrado
a um canto,

para que os teus lábios
me ciciem, os teus olhos
me beijem

e eu não saiba

e eu não sinta.


(Maria do Rosário Pedreira)

(...)Mãe, eu quero ir-me embora.

Nenhum sorriso abre caminho no meu rosto e os beijos azedam na minha boca. Tu sabes que não gosto de deixar-te sozinha, mas desta vez não chames pelo meu nome, não me peças que fique. As lágrimas impedem-me de caminhar e eu tenho de ir-me embora, tu sabes, a tinta com que escrevo é o sangue de uma ferida que se foi encostando ao meu peito como uma cama se afeiçoa a um corpo que vai vendo crescer.

Mãe, eu vou-me embora.
Esperei a vida inteira por quem nunca me amou e perdi tudo, até o medo de morrer. A esta hora as ruas estão desertas e as janelas convidam à viagem. Para ficar, bastava-me uma voz que me chamasse, mas essa voz, tu sabes, não é a tua.

A última canção sobre o meu corpo já foi há muito tempo e desde então os dias foram sempre tão compridos, e o amor tão parco, e a solidão tão grande, e as rosas que disseste um dia que chegariam virão já amanhã, mas desta vez, tu sabes, não as verei murchar.

*O Canto do Vento nos Ciprestes*




(Maria do Rosário Pedreira)

Neste outono, as pedras agasalham-se no cobertor
do musgo; e o barro bebe a água; e o vento viaja rente
aos muros. Mas eu, sem ti, deito-me gelada sobre a cama
e digo palavras que queimam a boca por dentro - amor,

saudade, o teu nome e os nomes das coisas que tocaste
(e sobre as quais deixo crescer o pó, para que os dias
não se decalquem sempre de outros dias). Fecho os olhos

depois sobre a almofada e vejo o rosto branco da casa
desenhar-se à medida da tua ausência: as janelas abrem-se
para a solidão dos becos e há um farrapo de luz sob a porta
a que ninguém virá bater. Pergunto-me onde anda a tua
sombra quando aqui não estás. E tenho medo. São estes

os solavancos de uma vida pequena - bordar uma toalha
para logo a manchar de vinho, sentir a ferida na distância
do punhal, viver à espera de uma dor que há-de chegar.


*O Canto do Vento nos Ciprestes*


Alguns dos últimos posts foram pinçados do blog:
Meus poemas favoritos de Maria Madalena Schuck.

Vertigem

(Torquato da Luz)

Chegaste quando já desesperava
de te ver chegar.
Há mil anos sentado à soleira,
todos os sons, todos os cheiros,
ainda os mais longínquos, os mais ténues,
me falavam de ti.

Era o ronco dos motores,
o marulho das ondas,
o silvo dos navios,
o apito das traineiras,
o pio cruzado das gaivotas,
o cantochão das cigarras.

Era o odor dos frutos
derreando as árvores
e o estalido dos ramos secos
sucumbindo ao calor da tarde.

Era tudo pronto, enfim,
para a vertigem
de eu gostar de ti.

11 de jan. de 2010

Nunca houve palavras para gritar a tua ausência

Apenas o coração
Pulsando a solidão antes de ti.
(...)

(Joaquim Pessoa)

Desejo

(Ana Luisa Amaral)

"E o meu desejo de ti
são lágrimas por dentro,
tão doídas e fundas
que se não fosse:
o tempo de viver
e a gente em social desencontrado
e se tivesse a força
e a janela ao meu lado
fosse alta e oportuna,
invadia de amor o teu reflexo
e em estilhaços de vidro
mergulhava em ti."


(Maria do Rosário Pedreira)

"Esta noite o vento ceifa os bosques
e
uma raiva sacode a terra. Se a voz
do mar chamasse pelas velas, os estreitos

aguardariam um naufrágio. E se dissesses

o meu nome eu morreria de amor.


Devo, por isso, afastar-me de ti - não

por medo de morrer (que é de já não

o ter que tenho medo), mas porque a chuva
que devora as esquinas é a única canção

que se ouve esta noite sobre o teu silêncio."

*O Canto do Vento nos Ciprestes*

(Maria do Rosário Pedreira)

Diz-me o teu nome - agora, que perdi
quase tudo, um nome pode ser o princípio
de alguma coisa. Escreve-o na minha mão

com os teus dedos - como as poeiras se
escrevem, irrequietas, nos caminhos e os
lobos mancham o lençol da neve com os
sinais da sua fome. Sopra-mo no ouvido,

como a levares as palavras de um livro para
dentro de outro - assim conquista o vento
o tímpano das grutas e entra o bafo do verão
na casa fria. E, antes de partires, pousa-o

nos meus lábios devagar: é um poema
açucarado que se derrete na boca e arde
como a primeira menta da infância.

Ninguém esquece um corpo que teve
nos braços um segundo - um nome sim.



(Maria do Rosário Pedreira)

“Este foi o nosso último abraço. E quando,
daqui a nada, deixares o chão desta casa
encostarei amorosamente os lábios ao teu copo
para sentir o sabor desse beijo que hoje não
daremos. E então, sim, poderei também eu
partir, sabendo que, afinal, o que tive da vida
foi mais, muito mais, do que mereci.”

*O Canto do Vento nos Ciprestes*



10 de jan. de 2010

(Maria do Rosário Pedreira)

"Dorme, meu amor, que o mundo já viu morrer mais

este dia e eu estou aqui, de guarda aos pesadelos.
Fecha os olhos agora e sossega o pior já passou
há muito tempo; e o vento amaciou; e a minha mão
desvia os passos do medo. Dorme, meu amor -

a morte está deitada sob o lençol da terra onde nasceste
e pode levantar-se como um pássaro assim que
adormeceres. Mas nada temas: as suas asas de sombra
não hão-de derrubar-me eu já morri muitas vezes
e é ainda da vida que tenho mais medo. Fecha os olhos

agora e sossega a porta está trancada; e os fantasmas
da casa que o jardim devorou andam perdidos
nas brumas que lancei ao caminho. Por isso, dorme,

meu amor, larga a tristeza à porta do meu corpo e
nada temas: eu já ouvi o silêncio, já vi a escuridão, já
olhei a morte debruçada nos espelhos e estou aqui,
de guarda aos pesadelos a noite é um poema
que conheço de cor e vou cantar-to até adormeceres. "

*O Canto do Vento nos Ciprestes*

9 de jan. de 2010



(Maria do Rosário Pedreira)

"O sono retirou-se do meu corpo e as cigarras
atormentam as minhas noites. Depois de teres
partido, os lençois da cama são como limos frios
que se agarram à pele. Porém, se me levanto,
não faço mais do que arrastar a solidão pela casa;
talvez procure ainda um gesto teu nos braços
do silêncio, como um pombo cego a debicar
as sombras na única praça deserta da cidade —
o amor nunca aprendeu a ler nas linhas da mão."

* O Canto do Vento nos Ciprestes*
Não se pode moldar a pessoa amada conforme a necessidade do que sentimos e precisamos.
O excesso de amor nos faz agir como anjos da guarda,tentando mostrar caminhos,
apontando soluções,tentando salvá-lo do próprio destino, achando que resguardá-lo de sofrimentos inúteis é papel nosso também.
Não se pode salvar quem não quer ser salvo.

Para isto existe o livre-arbítrio que Deus nos dá. Escolhemos quem queremos ser,como viver e que caminhos percorrer. Liberdade de escolha e de decisão ,mesmo que erradas.

Por isto, só podemos deixá-los seguirem seus caminhos,mesmo que diferentes do nosso e mesmo que saibamos que será cheio de tombos e abismos.A nós,só cabe mudar de sonho.

Pati K


Queria eu buscar teu rosto,teu calor,teus
beijos e
só achei a indiferença e o descaso.
A ânsia por liberdade te fez um espírito
livre de amarras e culpas.O rumor do vento
já te levou prá longe e a sensação
de perda me apavora e me enfurece.
A escuridão que me sufoca acentua o borbulhar
da raiva surda que me preenche e estraçalha
os fiapos do sonho retorcidos em pedaços de ódio
azedo que me embrulham o estômago.
Com o inferno de sombras que me invade
procuro o riso das manhãs
felizes de outrora
embaladas pelo fluir da paixão cega
e só encontro o vazio dos estertores do amor que
me deixou.


Pati K

Plano


(Nuno Judice)

"Trabalho o poema sobre uma hipótese: o amor
que se despeja no copo da vida, até meio,
como se o pudéssemos beber de um trago. No fundo,
como o vinho turvo, deixa um gosto amargo na
boca. Pergunto onde está a transparência do
vidro, a pureza do líquido inicial, a energia
de quem procura esvaziar a garrafa; e a resposta
são estes cacos que nos cortam as mãos, a mesa
da alma suja de restos, palavras espalhadas
num cansaço de sentidos. Volto, então, à primeira
hipótese. O amor. Mas sem o gastar de uma vez,
esperando que o tempo encha o copo até cima,
para que o possa erguer à luz do teu corpo
e veja, através dele, o teu rosto inteiro. "

* Poesia Reunida*

8 de jan. de 2010

(Al Berto)

(...)"é no silêncio
que melhor ludibrio a morte
não
já não me prendo a nada
mantenho-me suspenso neste fim de século
reaprendo os dias para a eternidade
porque onde termina o corpo deve começar
outra coisa outro corpo

ouço o rumor do vento
vai alma vai
até onde quiseres ir."

*Poesia do mundo 2*
.
(Pablo Neruda)

(...)
"Tu eras também uma pequena folha que tremia no meu peito.
O vento da vida pôs-te ali.
A princípio não te vi: não soube
que ias comigo,até que as tuas raízes
atravessaram o meu peito,se uniram aos fios do meu sangue,
falaram pela minha boca,floresceram comigo."

7 de jan. de 2010

Segredo


(Fernando Pinto do Amaral)

"Esta noite morri muitas vezes, à espera
de um sonho que viesse de repente
e às escuras dançasse com a minha alma
enquanto fosses tu a conduzir
o seu ritmo assombrado nas trevas do corpo,
toda a espiral das horas que se erguessem
no poço dos sentidos. Quem és tu,
promessa imaginária que me ensina
a decifrar as intenções do vento,
a música da chuva nas janelas
sob o frio de fevereiro? O amor
ofereceu-me o teu rosto absoluto,
projetou os teus olhos no meu céu
e segreda-me agora uma palavra:
o teu nome - essa última fala da última
estrela quase a morrer
pouco a pouco embebida no meu próprio sangue
e o meu sangue à procura do teu coração. "
* Às Cegas*



4 de jan. de 2010

Ainda



Ainda tenho o encanto do olhar perdido na noite
que te procura nas estrelas;
ainda escuto o som agudo do vento trazendo o eco
do amor que me devora;
ainda espero -através do infinito que nos separa-
tua calma e teu silêncio
que preenchem minha solidão;
ainda sonho com o conforto do amor errante que me deste
e procuro vaga-lumes no escuro da minha alma .

E ainda é meu segredo... querer flores e sorrisos
para o teu mundo perfumar e inundar de amor teu coração.

Pati K

Os degraus do tempo


(Rosa Alice Branco)


"Costumava sentar-me no degrau mais alto
e pela janela via as árvores balouçarem
no silêncio da casa, o silêncio
de ter estado ali há muito tempo
esperando que viesses como agora espero
que o tempo se desdobre na memória
que te guarda.
O mundo era infinito
e a minha existência estava no teu rosto
à espera de um gesto que a desenhasse
para que pudesses nascer todos os dias."